Monday, March 17, 2008

Depoimento do Palumbo

Mandei um pequeno questionário ao Angelo Palumbo, que mandou um grande texto como resposta. É o relato pessoal da experiência dele, acredito que representatia de uma boa parcela de sua geração - e de uma situação freqüente no mundo da arte no Brasil.

Como artista plástico, Palumbo realizou individuais e coletivas pelo mundo afora: Universidade do Marrocos, no Museu de Arte Contemporânea em Taipei-China, L’Usine em Geneve-Suiça, no Museu Alchimia de Design de Milão, na Ariel Gallery em Nova York-SoHo e na Bryant Library em N.Y., expôs no Art Museum de Xangai-Pequin e ganhou o 8o Salão Paulista de Artes Plásticas de S.P (prêmio aquisição). Expôs individualmente no MAM de S. Paulo, no Museu de Fotografia Contemporânea na cidade de Brescia- Italia e entrou na coleção Polaroid International, a convite daquela instituição, em sua sede em Massachussets.
Também expôs seus trabalhos no Palácio da Sourbonne em Paris e, a convite da Secretaria da Cultura do Estado, realizou individuais no MIS- Museu da Imagem e do Som e na Fundação Benito Calixto (Pinacoteca de Santos). Doou uma obra sua para o acervo do MASP a pedido do então falecido Diretor, Pietro Maria Bardi. Em 97 Participou em da Exposição LUZ, evento organizado pelo Museu Virtual Casa das Rosas cujas obras eram expostas pela Internet no site da Casa das Rosas.

Por fim, finalmente descobrindo que a arte não é uma corrida de cavalos mudou-se para Amsterdam – Holanda em 98, onde trabalhou intensamente até o ano passado, em seus projetos pessoais unindo Arte-Ciência e Comunicação.

Seguem as perguntas e, em seguida, o texto que ele enviou.
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- quais eram exatamente as regras do jogo para um artista em ascensão nos anos 80? como você viveu isso?
- o que mudou de lá pra cá?
- conte como foi voltar e ver que as portas estavam fechadas? como isso se deu na prática?
- quem manda no mundo da arte hoje?
- como você vê o papel da crítica, do marchand, do curador, do galerista e do colecionador?
- você tem um currículo impressionante, com exposições em vários países. continua vendendo suas obras?
- em que situação se encontram os artistas de sua geração: eles se renderam ao sistema e ao mercado? desanimaram? ou é possível manter-se fiel a um projeto artístico e continuar vivo no mundo da arte? cite exemplos.
- como avalia o trabalho dos artistas brasileiros mais conhecidos hoje?

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Respondo suas perguntas numa só resposta, acho melhor tomar uma Kaiser antes:

Nenhuma, não havia regra! O que existia era um grupo de artistas que se reuniam na noite pra baladinha, e discutíamos a falta de perspectiva na cultura nacional e nas artes plásticas... Mas isso era nas artes de modo geral, inclusive na música. Não havia espaço para artistas da contracultura e do underground. O que havia eram artistas, filhos da resistência à ditadura, já consagrados num sistema engessado pela repressão, ou havia o foclore do povo. Um imenso “GAP”! Nossa cultura só existia apartir da música.

Éramos jovens da classe media-alta, de cultura extremamente eclética, muito antenados com a ferveção cultural internacional. Éramos muito ligados à música, ao rock especificamente. Fazíamos cenários, capas de discos, revistas e toda parte visual daquele universo...

Porém a falta de oportunidade no mundo das artes-plásticas “main stream” assolava minha geração. Por conta disso, dispostos a emergir, mesmo que na contracultura. nosso campo de ação então passou a ser as ruas e os espaços públicos... nascemos todos de uma só vez, provenientes de todos os cantos da cidade, frutos da insatisfação e rebeldia, porém positiva e construtiva... aproveitamos a vacuidade política daquele momento, devido à transição para a democracia, para tomar de vez as ruas com tintas e pincéis!

Já que Maomé não vem à montanha a montanha iria a Maomé... pura contracultura. Surgiram então alguns grupos de trabalho, já que era uma tarefa árdua e perigosa se expor nas ruas. Não grafitávamos à moda americana, pintávamos com tinta látex e pincéis os enormes espaços em branco”. Nem todos produziam assiduamente ou se dedicavam à aparente desobediência civil, alguns como eu, eram minimalistas e extremamente introspectivos, porém o que nos tornava uma unidade era a impetuosidade juvenil e a criatividade a flor da pele.

A partir daí ficamos conhecidos no pretendido meio artístico, não pelos galeristas e curadores, mas pelos próprios artistas que realmente apreciavam e entendiam nossa postura e nossa arte... (naquela época não existiam curadores, eram todos pretendentes a artista). Passamos então a freqüentar o jet-set paulista... agora estava perfeito... prestigiados circulávamos credenciados por eles entre vernissage e as festas de arromba do salão da bienal. E, melhor ainda, pelo novo momento político de transição não éramos mais perseguidos pela ronda ostensiva noturna e não éramos mais fichados como anarquistas nas delegacias de policia.
Uma importante vitória para a Arte nacional Contemporânea!! (isto deveria fazer parte da memória histórica da arte desse país!)

Foi nesse ambiente, inebriados por sexo, drogas e rock n’roll que deixamos a parte importante de lado, o profissionalismo. Não que não trabalhávamos, mas pagávamos nossas contas com as capas de discos, cenários e revistas do universo musical... porque como artistas continuavamos fora do mercado. Além disso, o rock nacional estava na crista da onda, ninguém tinha tempo para lobbies oportunistas e hipócritas, éramos legítimos artistas da contracultura.

A situação começou a mudar quando Aracy Amaral e Satamine, inteligentes e antenados (acho que perceberam o tremendo GAP existente) lançam a CASA SETE... mas só havia espaço para eles... Porque no Brasil é assim, ou tudo ou nada... É a cultura do modismo fabricado... se não é mais rock passa a ser axé music, exaurido axé vira pagode, do pagode ao funk... sempre fechando as portas atrás e sempre sugando na mesma teta. Aqui em nosso país só existe espaço para uma coisa de cada vez, o mercado era restrito. (Isso mudou um pouco ao ingressarmos no consumismo voraz da mudança de milênio, hoje tudo pode ser mercado de consumo).

Descontentes com a situação e conscientes da ilusão que vivíamos, muitos de nós migraram para o exterior... eu incluso... Ledo erro fatal!!

Com a democracia instalada havia necessidade de uma cultura pulsante, ativa e jovial, era o grande “Boom”... Era a vez dos jovens!

Tudo muito oportuno, pois o mondo business havia chegado... Era a época, dos investimentos e negociatas, época em que o caixa dois foi institucionalizado, época do desvio de verbas e do então senhor de todas as transações, o LOBBY de interesse!

Os oportunistas, da corte, de plantão e os expertos assumiram. Os falsos artistas, privos de talento e frustrados com o real valor que o artista tem na nossa sociedade, migraram então para a curadoria já que as posições lhes aferiam o status que buscavam. Estavam eles assim também tomando posição na engrenagem... Aqueles poucos galeristas pioneiros, não sei como, resistentes aos anos de repressão, começaram a assumir eminente prestigio e poder... incrementando as vendas e passando a ditar o mercado... E para fechar o ciclo, não menos importante... as escolas de arte tinham que se adequar à nova Era... a Era corporativista, a Era do ganhar dinheiro! O tal do consumismo voraz.

A FAAP, então, muito bem estruturada, montou sua estratégia e saiu na frente, tinha de crescer e conquistar seu poder nesse universo... iria fornecer os novos talentos ao mercado garantindo-lhes o titulo de berço das artes. Lia-se nas entrelinhas: “se quiserem ser artistas de sucesso inscrevam-se aqui”... outras escolas de arte não tiveram tal visão aguçada e ficaram no segundo escalão... o escalão que fabricaria os artistas mais alternativos e sonhadores.

Quem estava no exterior fora do esquema, como eu, dançou. Quem estava aqui na corte, por oportunismo ou pelo LOBBY, bem ou mal se situou no rabo de algum galerista desgarrado.

Nesse novo cenário, uma horda de artistas bebês, imaturos e arrogantes surgiu, (cópias descaradas de Basquiat, de Naun June Paik, Jeff Koons e outros artistas da era “fashion”). Eles saem já com seu galerista de plantão, com um critico a tira-colo e um curador lhes rezando amém... E por incrível que isso pareça, estes já tem até o status de ser considerados “Os 10 + Contemporâneos”!! (como eu vi outro dia no Instituto Tomie Otake! Pasmem!).

Sim porque o brasileiro tem pressa, quer o sucesso imediato, assim, sem pesquisa, sem suor e principalmente sem vivência alguma! Toscamente elegemos sempre uma musa – a musa do seqüestro, a musa do mensalão, a musa das artes plásticas, e assim vai... a musa gostozinha do que se fala no momento... Pessoas acima dos 35 e fora da midia já eram!!

Nessa engrenagem do mondo business, estruturada na desinformação que se encontra nossa juventude, especialmente no que se refere a mercado de trabalho, nutre-se a falsa impressão...de que o artista tem aquele glamour... falso... que são rodeados de gentes bonitas desfilando seu prestigio entre as salas da corte, queimando notas de dólares entre caras e bocas do São Paulo Fashion Week... Não percebem que a arte não se traduz em sucesso mundano ou em modismos manipulados pelo marketing que insiste em sucatear a nossa arte e a nossa cultura entre lotes promocionais da iniciativa privada (que logicamente rendem prêmios, incentivos fiscais, transações ou alguma espécie de poder).

O que estes bebês, subprodutos de revistas de arte importadas, mal saídos do berço acadêmico, estão apresentando como arte é uma simples re-leitura do que já tem sido feito lá fora. Uma re-leitura porca e deslavada ... mas não importa, desde que esse moto-perpétuo seja mantido tudo bem... Pois os que tem dinheiro para comprar arte nesse país geralmente são ignorantes sem cultura alguma mas pretende dizer que tem, pois absorve tudo que vê no eixo New Yok – Miami. ou então, são os grandes figurões ostentadores com suas instituições descarregando imposto e acionando o caixa dois do super faturamento.

Talento e criatividade não valem nada pois a arte de agora é hermética, asséptica, totalmente subjetiva e comercial, feita propositalmente para não mais nos sensibilizar pela emoção e pela poesia pois assim fica difícil do comprador final dizer o que acha da obra. (com medo de parecer ignorante!) o LOBBY é de extrema importância nos tempos de hoje... Aqui, saber vender o peixe e saber entreter as pessoas te garante lugar ao sol. Diante dessa realidade é preciso um outro tipo de artista. O artista negociante e experto, um talentoso “Rippley” (quem já viu o filme?) em rir e debochar.

E o espetáculo assim continua... La nave va!

Todos loucos descontrolados, histéricos a festejar antes do desastre eminente. Alguns amigos meus, que pertencem ao seleto Olímpo artístico contemporâneo nacional, têm mais convites do que possuem de pesquisa pessoal! Já vi muitos deles no desespero de não saber o que apresentar! Uau hein?!

Não sei quem pensa estar no topo dessa ilusória pirâmide social, feita de lixo reclicado. O artista com sua falsa impressão de ser celebridade, (mas vez ou outra vende alguma coisa), o galerista que se julga tremendamente aculturado pois indica o que é ou não é arte, (e não sai da poltrona para investigar se realmente sabe), ou o colecionador que a titulo de status queima sua grana ostentando um séqüito enorme de aproveitadores oportunistas... O curador? Este circula na tangente orbitando entre o artista, o galerista e as instituições, tendo seu lugar ao sol somente quando estes se alinham em conjunto com a mídia num eclipse qualquer, quando eventualmente resolve aparecer.

Estamos vivendo uma enorme crise geral de identidade nacional, pior que isso, uma crise moral, todos os setores estão corroídos e corrompidos... e na arte, além disso, estamos vazios e sem personalidade própria.

Somos muito primários como nação. O brasileiro ainda tem a índole do esperto oportunista, do ladrão, do aproveitador que como um câncer devora a estrutura de nossa inteira sociedade, em nome de do enriquecimento ilícito a custa de um povo indefeso, sem educação e sem senso critico, incapaz de lutar e exigir seus direitos, numa verdadeira cultura de “Miami Vice” !!

Arte é tradição, história, educação e cultura. A arte é a principal herança de um povo... e só poderemos sair da condição de país emergentes (entende-se sub-desenvolvidos) quando tratarmos esses assuntos com seriedade e respeito. E não essa cultura de apropriação de talento indevida.

Mas até quando? Quem é que se dispõe a sair do esquemão e iniciar uma real pesquisa a fundo sobre a nossa arte contemporânea autêntica? Quem é que se dispõe a levantar e chacoalhar fora essa torpor mental e arriscar seu prestigio?

Tempos selvagens!

Aquele artista autêntico, que é autodidata, aquele que percorre a vida toda sem saber que é artista, que experimentou todas as técnicas antes de achar a sua própria, aquele que pesquisa e vivência sua arte ao longo de toda uma vida... Artista que idoso e calejado traz na bagagem o mérito do reconhecimento, esse se perdeu pra sempre. Nessa selvageria foi substituído de vez pela jovial agressividade competitiva do consumismo voraz.

Porém, um momento. Ele não está morto de todo, marginalizado, ele ainda continua a ganhar seu pãozinho pela borda da pizza em algum canto escuro confeccionando estúpidos sites na WEB ou vendendo pequeninos utensílios de escritório em cerâmica e expondo em bares e restaurantes da cidade.

Vejo que a arte nacional parou ali onde paramos nós da minha geração, na mesma ilusão que um dia nos seduziu. Na maldição do vislumbre “wanna be” das aparências superficiais!

Então, a conclusão que resulta de tudo isso, é que o nosso salto quântico que achamos ter dado adiante, na verdade foi para trás e parou no mesmo lugar... o vazio ainda está lá!

Nesse contexto, o que eu posso mais pretender da arte, senão tristemente virar a página?

Felizmente, por ter compreendido que arte não é corrida de cavalo, ganhei o mundo. Resolvi investir em mim como ser humano com minha experiência vivenciada transparente. Vivo fazendo minha artezinha, mínimal, como pessoa livre de interesses obscuros e hipócritas movidas por ganância.

Não quero ser conhecido pelo que fiz, mas pelo que sou!
Atualmente, faço parte do grupo dos artistas... que “são os mestres do vir a ser” (como profetizou Aguilar uma vez), aguardando tempos melhores.

Sou o Palumbo, muito prazer!

São Paulo, verão 2008

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